segunda-feira, 30 de abril de 2012

Segunda Leitura: Fauna brasileira precisa de melhor proteção jurídica




A Constituição de 1988, acompanhando uma tendência mundial, dedicou vários dispositivos à proteção do meio ambiente. O principal deles é o artigo 225, hoje constantemente citado em processos administrativos e ações judiciais. O caput do artigo 225 é antropocêntrico. Ao mencionar que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", ele está a se referir a nós, seres humanos. Reproduz séculos de civilização cristã, já que a Bíblia coloca-nos como feitos à imagem e semelhança do Senhor (Gênesis, 1, 26-27).
Na nossa visão antropocêntrica, por certo, julgamo-nos superiores aos outros seres que nos acompanham nesta instigante passagem pela Terra, que é a vida. Mas esta nossa visão não é a de todos os seres humanos.
Em 1854 o Cacique Seatle dirigiu-se ao presidente dos Estados Unidos, rejeitando proposta de compra das terras daqueles indígenas, da seguinte forma: "N ós somos uma parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. As rochas escarpadas, o aroma das pradarias, o ímpeto dos nossos cavalos e o homem - todos são da mesma família. Assim, o grande chefe de Washington, mandando dizer que quer comprar nossa terra, está pedindo demais a nós índios". 
Atenuando a posição antropocêntrica extrema, o parágrafo 1º do artigo 225 dispõe que: "Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade".
Este inciso põe-se de acordo com a proteção existente desde da época da Colônia. As Ordenações Manuelinas, no Livro V, título LXXXIII, proibiam a caça de perdizes, lebres e coelhos com redes, fios ou instrumentos capazes de causar dor e sofrimento. Em 1934, o Decreto 24.646 instituiu o "Estatuto dos Animais". Em 1967 tivemos a Lei 5.197, que proibiu o comércio de espécimes da fauna silvestre (exceto de criadouro autorizado), determinou a edição de lista de espécies ameaçadas de extinção, regulamentou as pesquisas científicas e criou contravenções penais. 
Em 1988 a Lei 7.653 elevou as sanções. Por exemplo, o comércio ilegal passou a ser sancionado com 2 a 5 anos de reclusão. Os crimes tornaram-se inafiançáveis. Do rigor da Lei 7.653 passamos à inoperância da 9.605/98, que, ao tratar dos crimes de morte, caça, venda, transporte e outras condutas contra a fauna (artigo 29), atribuiu-lhes a simbólica pena de 6 meses a 1 ano de detenção e multa. 
O resultado desta branda sanção, imposta pelo Congresso (não pela Comissão que elaborou o projeto de lei), foi reduzir as ações penais contra a fauna a um nada jurídico. Os ataques à fauna ficaram desprotegidos. 
A consequência é de fácil constatação. As penas contra a fauna não possuem jurisprudência. Resolvem-se em transações, muitas vezes sem nenhum caráter ambiental (por exemplo, entrega de cestas básicas), na prescrição ou em multas, que ninguém paga. 
Exagero? Não. Consulta sob os títulos "crimes contra a fauna", "morte de animal silvestre" ou "comércio de espécies da fauna silvestre" feita às Turmas Recursais do TJSC, sabidamente eficientes, revela a inexistência de precedentes. 
Na parte civil dá-se o mesmo. As ações civis públicas relacionadas com a fauna saíram da esfera de interesse do Direito Ambiental. Elas existem, mas são poucas. Consulta ao site do STJ, sabidamente atuante na área ambiental, feita sob o título "fauna e ação civil pública", revela apenas dois precedentes. Um deles de caráter administrativo e o outro sem relação com a busca da pesquisa. 
Disto se conclui que as preocupações vêm se tornando cada vez mais antropocêntricas. A dignidade da pessoa humana é invocada a todo momento, de modo a justificar teses jurídicas que vão do Direito Interplanetário ao Esportivo. E os espécimes da fauna veem-se cada vez mais desprotegidos. 
Na verdade, como afirma o promotor Laerte Levai, "ainda existe preconceito quando se fala em direito dos animais. Muita gente, da área jurídica inclusive, não leva a questão a sério". Paradoxalmente, o comportamento dos animais mostra como suas reações aproximam-se dos humanos, o quanto deles estamos próximos, ainda que disto discordemos. 
Vejamos dois exemplos: a cadela Lady , abandonada em um cemitério de Maringá (PR), pariu oito filhotes e com eles passou a viver em um túmulo aberto no cemitério. Todo dia saía à caça de alimentos para seus descendentes. Aos que passavam perto de sua improvisada moradia, rosnava. Na mais absoluta legítima defesa da prole, chegou a morder a perna de uma mulher que passava no local. Uma reação instintiva, absolutamente compreensível. 
Os chipanzés são os que mais se aproximam dos humanos. Estudos científicos mostram que, para alimentar-se, quebram nozes e usam graveto para promover aberturas que lhes permitam retirar de troncos de árvores cupins e mel. Segundo Julia Layton, os professores Jill Pruetz, da Universidade Estadual do Iowa, e Paco Bertolani, da Universidade de Cambridge, registraram em pesquisa de março de 2005 a julho de 2006, que chimpanzés em Fongoli, Senegal , empregavam ferramentas para matar animais que usavam como comida.
Pois bem, em que pese fazermos todos parte de um mesmo planeta, termos aspirações semelhantes, ainda que racionais (humanos) e instintivas (animais), estamos abandonando a fauna à sua própria sorte. Ela está ficando fora do Direito, à margem de sua evolução, tudo isto se refletindo na ausência de jurisprudência e de trabalhos acadêmicos. 
Na discussão da reforma do Código Florestal, que ocupou a mídia intensamente nos últimos dias, viu-se o uso de todos os tipos de argumentos, a favor ou contra. Só não se ouviu uma voz a defender os animais, que serão prejudicados pela diminuição das áreas de preservação permanente e dos corredores ecológicos. 
Pressionados pela urbanização do campo, por conta de loteamentos de luxo que prometem uma vida ecológica, pelo aumento da fronteira agrícola e pela construção de barragens, os animais sairão de seus habitats à procura de alimentos para si e para a prole. E serão impiedosamente mortos por proprietários rurais. 
É preciso mais equilíbrio nesta relação. Os humanos precisam conscientizar-se dos direito dos animais. As ONGs precisam saber manejar mais e melhor o arsenal legislativo que está à sua disposição. O Ministério Público precisa elevar o nível de atenção ao problema. Os acadêmicos, dedicarem-se à matéria em seus trabalhos. E o Judiciário, sair do confortável imobilismo e especializar Câmaras ou Varas Ambientais, a fim de que haja maior efetividade nos julgamentos.
R7

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