quinta-feira, 14 de junho de 2012

Diálogos com Francisco Brennand


Jornal do BrasilAntonio Campos
Fui visitar, recentemente, Francisco Brennand, em sua Oficina, no bairro da Várzea, no Recife, onde um dia foram as ruínas da velha Cerâmica São João. Ouso acrescer na crônica “A Cartola do Mágico” (1974), do meu tio Renato Carneiro Campos, sobre Brennand: a cartola é de mágico e de gênio. 
Indaguei ao mestre: o que é a arte? O não destino, como disse André Malraux. Criar é uma forma de não morrer. 
Perguntei que escritores ou livros o influenciaram. Ele repetiu cinco vezes um mesmo nome: Dostoievski. 
O símbolo que usa de Oxossi diz que é porque, embora, aparentemente, a entidade orixá seja caçadora para sobreviver, na realidade, é amiga dos animais e da floresta, pois afugenta os homens que invadem a floresta pelo prazer de matar.
E tudo ali começa com um ovo, no Grande Pátio do Templo ao ovo Primordial. Sem reprodução não há vida, criação. O grande enigma do mundo, segundo ele. Daí a sua obra ser marcada por uma forte carga sexual. 
Brennand viu o essencial. O homem ao se achar superior aos animais, à natureza, virou o inimigo comum, de todos e dele mesmo, perdendo o paraíso e começou a destruir a “Mãe Terra”, que é um dos principais painéis do seu “Santuário”, logo na entrada. Chama seus Totens de Árvores da Vida. 
Indaguei um movimento em artes plásticas. Respondeu: Impressionismo. Quando os artistas deixaram os seus ateliês e foram ver e pintar na natureza. E ela era bela e tinha luz. A fotografia em preto e branco é uma aberração, porque na natureza tudo tem cor, diz ele. 
Impressionante a sua visão do personagem bíblico Caim, que adquiriu ao ler o romance de John Steinbeck, Paraíso Perdido. Um injustiçado, diz ele. A carga foi grande demais para Caim, que era um desastrado. E aconteceu o que aconteceu. Abel foi assassinado. Em cima da imagem de Caim chorando sangue há uma cruz copta significando perdão.
Falou do filme “Vidas Amargas”, baseado no livro de Steinbeck e dirigido por Elia Kazai, que é o primeiro dos três grandes filmes que criaram o legado de James Dean no cinema. 
O seu cavalo de Tróia é de grande beleza simbolizando a eterna astúcia de Ulisses em seu estratagema enganador para o Ocidente (gregos) conquistar o Oriente (Tróia). O Templo do sacrifício é emblemático. Tem as cabeças (esculturas) dos conquistadores que dizimaram as avançadas civilizações Maia e Asteca, mas tem, também, a imagem do pintor Gauguin. Um europeu que admirou o Novo Mundo. 
E finalizou a minha visita e o nosso diálogo mostrando um texto de Plotino, em um painel, que seria a síntese de tudo ali: “Toda coisa no céu inteligível também é céu, e ali a Terra é céu, como também os animais, as plantas, os homens e o mar. Têm por espetáculo um mundo que não foi gerado. Cada um se vê nos outros. Não há nesse reino coisa que não seja diáfana. Nada é impenetrável. Nada é opaco e a luz encontra a luz. Todos estão em toda parte. E tudo é tudo. Cada coisa é todas as coisas. O Sol é todas as estrelas e todas as estrelas é o Sol. Ninguém ali caminha como sobre uma terra estranha.”
No início da criação do seu ateliê, o cronista Renato Carneiro Campos, em sua antevisão, já em 1974, disse em marcante texto: “Com o passar dos anos, o seu ateliê se tornará mais importante do que o Teatro Santa Isabel, a Academia Pernambucana de Letras, o Museu do Estado. Nele se reflete todo o poder criador de um artista excepcional, que fará com que Pernambuco – e não se passará muito tempo para que isso aconteça – seja incluído obrigatoriamente no roteiro turístico-artístico não somente nacional, mas de toda América”. A Oficina Francisco Brennand é um dos ateliês essenciais das Américas. Tio Renato tinha razão. 
fonte: jb

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