quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Biotecnologia brasileira pode trazer substituto da heparina animal em menos de dez anos

Composto foi encontrado em algas vermelhas no litoral do Ceará. Empresa brasileira vai financiar viabilização da produção em massa

Marco Túlio Pires, São Luís




As algas vermelhas possuem um composto que poderá substituir a heparina animal (Divulgação)
Uma substância encontrada em algas brasileiras poderá substituir a heparina animal -- principal composto anticoagulante usado em cirurgias -- em menos de dez anos. A  Universidade Federal do Ceará (UFC) deve receber nos próximos meses o apoio de uma farmacêutica brasileira para viabilizar a produção em massa de uma alga marinha cuja composição apresenta uma substância natural com os mesmos efeitos da heparina animal. A informação foi divulgada durante a 64ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento ocorre na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, e termina nesta sexta-feira.

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A MEDICINA DAS ALGAS
As algas marinhas (existem vermelhas, verdes, azuis e até marrons) representam um território ainda pouco explorado pela biotecnologia. Pesquisadores de diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, já encontraram compostos capazes de combater o vírus do HIV, tumores, processos inflamatórios, venenos e a coagulação do sangue. Encontrar as substâncias é relativamente fácil em comparação com a sua produção em escala. Agora, grupos de pesquisa correm atrás do tempo para desenvolver 'fazendas de algas', a maneira do que já ocorre com peixes e camarões.
A heparina é uma substância encontrada no intestino de animais, como porcos e bois, e muito utilizada pela medicina como anticoagulante e no combate da trombose. Sem ela, seria praticamente impossível realizar cirurgias. Dificílima de ser fabricada em laboratório, foi introduzida ao mercado na década de 1930 e atualmente só possui produção em escala porque aproveita o abate de animais da indústria alimentícia. Contudo, não se trata de um bom negócio. A fabricação de uma dose de heparina para seres humanos necessita de dez intestinos suínos. A extração da substância é feita pela raspagem e desidratação dos tecidos animais, um processo caro e que pode contaminar o produto final com bactérias e outras substâncias.

A dificuldade de produção e o risco de contaminação tornaram a procura por um substituto da heparina animal obsessão de alguns grupos científicos e da indústria farmacêutica. Em laboratório, já é possível produzir o composto, mas em quantidades ínfimas, alguns miligramas. A humanidade, por outro lado, precisa de cem toneladas de heparina todos os anos para abastecer laboratórios e mesas de cirurgia. Sem alternativas para a produção em larga escala da substância, alguns grupos voltaram seus olhos para a natureza.

Algas cearenses - A alternativa mais promissora pode estar nas algas marinhas, organismos vegetais que existem em grande abundância nos oceanos. O engenheiro de pesca Wladimir Farias, da UFC, encontrou um composto em algas vermelhas (Botryocladia occidentalis) do Ceará que funciona como a heparina, mas sem os efeitos indesejáveis. Em altas doses, a substância animal causa hemorragia e pode provocar a morte do paciente. Em laboratório, Wladimir conseguiu produzir a substância (mas também em pequenas quantidades) e percebeu que ela consegue descoagular o sangue e diminuir a trombose em ratos, mesmo em doses altas.
Agora, Farias receberá o apoio de uma empresa brasileira da indústria farmacêutica para viabilizar o passo que falta para a substituição definitiva da heparina animal: a produção em larga escala. "O Japão é o único país no mundo que sabe como produzir algas em massa, por causa de sua culinária", diz Farias em entrevista exclusiva ao site de VEJA. "No Brasil, temos tecnologia para cultivar camarões e alguns peixes em ambiente marinho, mas a produção de algas está na idade da pedra". Com o apoio da empresa brasileira, cujo nome o pesquisador prefere não divulgar por enquanto, a substituição da heparina animal deve ocorrer nos próximos anos. "Como serão preciso testes clínicos, acredito que em menos de dez anos teremos o novo composto no mercado."

Segundo Farias, o processo de extração da molécula que substituirá a heparina é fácil. "O difícil será reproduzir as condições de nascimento e desenvolvimento do vegetal em laboratório, e levar isso para o ambiente marinho", diz o engenheiro. A dificuldade existe porque cada alga possui uma série de particularidades durante o desenvolvimento, como temperatura da água, profundidade, quantidade de luz e nutrientes e longevidade. "Todos esses parâmetros precisam estar documentados e muito bem compreendidos para a produção em larga escala."

Outras aplicações - A molécula que Farias descobriu nas algas vermelhas do Ceará também podem servir como soro antiofídico, que combate os efeitos do veneno de cobras. Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) descobriu em 2011 que a substância consegue neutralizar a enzima que causa a morte dos tecidos (necrose) das vítimas. O trabalho é coordenado pelo médico Marcos Toyama, da Unesp.
fonte:  veja.abril

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