sábado, 27 de outubro de 2012

Grupo de guardas florestais protege elefantes de massacre em parque no Moçambique


Com apenas duas armas de fogo manuais e seis munições, um grupo de 10 guardas florestais vive uma cruzada solitária para proteger os elefantes de um massacre sem precedentes, protagonizado por caçadores forte e sofisticadamente armados na Reserva de Mareja, no Parque Nacional das Quirimbas, em Cabo Delgado. Todas as semanas, pelo menos, dois animais são mortos, dos quais são retiradas as pontas de marfim, que são posteriormente vendidas no mercado negro. A batalha acontece aos olhos das autoridades governamentais e policiais locais que, por conforto e cumplicidade, não agem.
Há sensivelmente duas horas e meia da capital provincial de Cabo Delgado, cidade de Pemba, localiza-se Mareja, um projeto ecoturístico de conservação e gestão de recursos naturais dentro do Parque Nacional das Quirimbas (PNQ) desenvolvido pelo alemão Dominik Beissel e abraçado pela comunidade local.
A região é isolada, sobretudo na época chuvosa, e a população leva uma vida recatada. O quotidiano é monótono, até porque a energia eléctrica e a água canalizada ainda não chegaram àquela localidade. Apesar disso, os habitantes, que sobrevivem exclusivamente da agricultura, continuam a viver normalmente, além de se mostrarem hospitaleiros em relação aos visitantes.
Foto: Reprodução/Verdade
Quando se caminha pela mata adentro, por momentos, temos a sensação de estarmos a entrar numa outra dimensão, por assim dizer. Porém, esporadicamente, o silêncio é interrompido pelos macacos que pulam de galho em galho. A zona é uma reserva e nela é possível encontrar quatro dos “big five”, nomeadamente leões, leopardos, búfalos e elefantes.
O lugar é (aparentemente) tranquilo e bonito. Mas a tranquilidade e a exuberância do local não escondem uma atividade que tem vindo a ganhar proporções gigantescas nos últimos dias no interior daquela reserva, em particular, e do parque, em geral: o massacre de elefantes. Os ossos espalhados ao longo do caminho que leva até a Mareja denunciam a prática da caça.
Quase todas as semanas, pelo menos dois animais são mortos pelos caçadores fortemente armados. No passado mês de Agosto, dois elefantes foram mortos e, em Setembro, quatro. “Nestes dois meses, foram abatidos oito elefantes nesta reserva e o número tem vindo a crescer. Em 2011, no mesmo período, registámos mais de 10 casos”, informou um dos guardas florestais do parque.
O pior massacre de elefantes aconteceu no mês de Outubro do ano passado (2011), em que apenas numa semana foram mortos pouco mais de 10 animais. Os caçadores atiram indiscriminadamente, até porque o que interessa são as pontas de marfim, não importando a idade do animal. Eles usam armas de fogo automáticas do tipo AKM, calibre 365, rádios de comunicação e materiais de caça sofisticados, além disso, possuem helicópteros.
Os guardas florestais, tanto os que são apoiados pelo projeto de Mareja assim como os do PNQ, não dispõem de meios à altura para parar a ação do grupo naquela região, onde, no melhor estilo dos cowboys norte-americanos, fala mais alto quem tem o argumento de uma arma de fogo.
Foto: Reprodução/Verdade
Ao contrário dos caçadores, o grupo de 10 guardas florestais apoiado pelo projeto de proteção de elefantes do alemão Dominik tem apenas duas armas de fogo manuais, meia dúzia de munições e algumas facas e catanas. Mensalmente, ganham menos de dois mil meticais pelo trabalho de fiscalização. Durante os três dias (e noites) de patrulha, cada pessoa tem direito a menos de 200 gramas de arroz e uma lata de sardinha.
“Não conheço os caçadores, mas sei que eles andam armados”, afirmou Amade Cause, guarda florestal há três anos na Reserva de Mareja, e acrescentou: “nós só andamos com uma faca e não podemos fazer nada”. O Parque Nacional das Quirimbas conta com uma brigada de fiscalização constituída por apenas quatro guardas florestais armados e dois comunitários, apesar de o local ocupar uma área de 7.500 quilómetros quadrados, abrangendo ecossistemas marinhos e terrestres.
As autoridades fazem vista grossa
Semanalmente, o número de elefantes mortos cresce de forma alarmante. Ou seja, a cada semana que passa a ação dos caçadores tende a intensificar- se, colocando a nu a incapacidade de reacção das equipas de guardas florestais. As zonas mais críticas são Mareja e Meloco.
Nos dias 6 e 9 de Setembro último, na Reserva de Mareja, por volta das 6h30 da manhã, ouviu-se o ruído de um tiro e, de seguida, uma rajada de metralhadora. Os guardas florestais foram atrás para controlar a situação e, quando chegaram às proximidades do local do massacre, limitaram-se a assistir aos caçadores a retirarem as pontas de marfim.
“Não tivemos como agir porque eles estavam muito bem armados e qualquer reacção nossa seria fatal para todos nós”, disse Amade Cause, um dos fiscais que presenciou o acontecimento, tendo de imediato sido informadas as estruturas policiais e do PNQ. Tem sido assim todas as semanas.
Foto: Reprodução/Verdade
As autoridades, tanto policiais como do parque, encarregadas de combater essa prática que coloca as espécies de elefantes em perigo de extinção, acham que a melhor coisa a fazer é fingir que o problema não lhes diz respeito. Na verdade, a Polícia recusa-se a intervir nesse assunto.
“Sinto-me em pânico vendo isso acontecer e, o pior de tudo, é que a reação da Polícia não é imediata. Ou seja, ela age como se não tivesse nada a ver com o assunto”, disse uma fonte ligada ao Parque Nacional das Quirimbas que não quis ser identificada, tendo acrescentado que se poderia parar esta situação caso houvesse força de vontade por parte do Governo.
Uma hora depois, um helicóptero sobrevoava a zona tendo pousado nas proximidades de um riacho, e levado as pontas de marfim. Duas semanas mais tarde, os guardas florestais do projecto Mareja decidiram voltar para o local. Pelo caminho uma enorme árvore derrubada (supostamente por um elefante em fuga) impedia o trânsito da viatura “pick up” na qual nos fazíamos transportar.
Foram necessários pouco mais de 30 minutos para remover o obstáculo e deixar a estrada livre. No local, os fiscais encontraram quatro elefantes mortos (três fêmeas e um macho). Os furtivos não retiraram as pontas de marfim de um dos animais porque as dimensões não ultrapassavam 50cm, uma vez que ainda era um elefante bebê.
Há vários relatos de aeronaves sobrevoando o espaço logo após o abate de elefantes. A título de exemplo, no ano passado, concretamente no dia 23 de Novembro, pelas 15h45, foi identificada uma aeronave de cor azul escura com a referência EC-120. O facto foi comunicado às autoridades locais que se limitaram a sacudir a água do capote fazendo um comentário tranquilizador para si próprios:
“Este é um problema que nos ultrapassa, pois não temos meios para colocar freio a esta situação”. A Polícia da República de Moçambique (PRM) a nível da província de Cabo Delgado recebeu dos fiscais do Parque Nacional das Quirimbas uma fotografia do helicóptero que sobrevoou aquela região para averiguação, porém, nenhuma investigação foi levada a acabo.
Foto: Reprodução/Verdade
Os guardas florestais acreditam que haja gente poderosa interessada no massacre de elefantes no Parque Nacional das Quirimbas, protegendo os caçadores, uma vez que quando capturam os caçadores e os levam às autoridades policiais, eles são soltos no dia seguinte. E o pior de tudo é o fato de a lei não defender os fiscais quando estes os alvejam.
Amade Cause contou que, nos anos transatos, um dos seus colegas foi condenado à prisão, além de pagar uma indenização por ter alvejado a tiro um caçador. “As autoridades governamentais e a Polícia não agem em grande parte por conforto e, arrisco- me a dizer, também por cumplicidade”, disse.
Em meados do ano passado, os guardas florestais encontraram no interior do acampamento construído na machamba do líder comunitário local mais de 100 munições e 100 mil meticais em dinheiro. Já havia suspeitas de que ele encobria os caçadores. Porém, apesar de ter sido encontrado em flagrante, não foi preso.
O que está em curso, na realidade, no PNQ, é o processo sem paralelo de consolidação do tráfico de pontas de marfim no território moçambicano. Crescendo aos saltos, diga-se de passagem, a questão que se coloca é como pôr cobro a isso.
As autoridades do PNQ reconhecem a sua incapacidade para travar a ação dos caçadores, razão pela qual têm vindo a solicitar o apoio da PRM quando ouvem o ruído dos disparos. Mas a resposta por parte da Polícia aparece, no mínimo, 10 dias depois. Falta de viaturas e homens são as desculpas mais evocadas. A situação é mais crítica quando o fato acontece nos fins-de-semana.
“Geralmente, os casos de massacre acontecem simultaneamente em lugares diferentes, facto que também dificulta a nossa reacção, uma vez que o parque não dispõe de meios materiais e humanos”, disse a fonte do PNQ que temos vindo a citar.
A comunidade “protege” os caçadores
Na Reserva de Mareja, assim como em todo Parque Nacional das Quirimbas, o que há de peculiar não é somente a ação rápida, ousada e o facto de os caçadores possuírem meios materiais para a actividade, mas também o silêncio cúmplice de algumas pessoas integrantes das comunidades locais.
Nas vizinhanças, existem moradores que encobrem esse grupo de pessoas que se dedica à caça de elefantes para retirar as pontas de marfim. Regularmente, tem havido campanhas de sensibilização da população no sentido de denunciar os envolvidos nessa atividade que em dois anos já dizimou mais de 50 animais. Como resultado disso, foram formados guardas florestais comunitários. Mas nem tudo tem sido um mar de rosas.
Este ano, alguns dos fiscais comunitários tiveram de ser expulsos da equipa de guardas florestais por facilitarem a vida dos caçadores furtivos, informando-os dos locais de maior concentração de elefantes, além dos passos da equipe de fiscalização.
O destino das pontas de marfim
Este produto, que tem um valor comercial bastante alto (atinge preços exorbitantes no mercado negro), é traficado para os países asiáticos como China, Coreia do Norte, Tailândia e Filipinas.
Casos de apreensão de pontas de marfim
No mês em curso (Outubro), um cidadão norte-coreano foi surpreendido pela Autoridade Tributária (AT) na posse 130 unidades de pontas de marfim – equivalente a três quilogramas – no Aeroporto Internacional de Mavalane, em Maputo.
Em Setembro, um grupo de seis caçadores foi neutralizado no Posto Administrativo de Chinthopo, no distrito de Mágoè, em Tete, na posse de quantidades consideráveis de marfim retirado de elefantes mortos. A quadrilha era constituída por três moçambicanos e igual número de zimbabweanos.
Em Maputo, seis toneladas de marfim apreendido a caçadores e proveniente de elefantes mortos foram roubadas de um armazém do Ministério da Agricultura. Em Agosto do mesmo ano, dois funcionários públicos afectos ao Serviço Distrital de Actividades Económicas (SDAE), no Guro, na província de Manica, foram detidos sob a acusação de roubo de marfim das instalações do serviço para ser comercializado no mercado negro. As presas teriam como destino o continente asiático.
Em Fevereiro, a Polícia da República de Moçambique (PRM) no Niassa, em coordenação com os guardas florestais da Reserva do Niassa, deteve um indivíduo indiciado de ser caçador.
Em 2011, as autoridades encontraram 126 pontas de marfim num contentor apreendido no porto de Pemba, que equivaliam a 63 elefantes mortos, num contentor de uma empresa que opera na área da exploração de madeira.
Fonte: Verdade

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