sexta-feira, 9 de novembro de 2012

As pessoas estão dispostas a defender ideias de liberdade contanto que não toquem nos seus hábitos


Diego Gatto
domtte@gmail.com
Não espere dos outros a mesma disposição para aderir à sua causa, que se teve para aderir à causa deles. Este é um postulado com o qual estou tentando me acostumar.
Desde que me tornei vegetariano, em 2008, tenho me deparado com diversas situações relacionais que seguem mais ou menos o mesmo padrão: a maioria das pessoas está disposta a defender qualquer ideia de liberdade, desde que não toque nos seus hábitos e costumes diários.
Ao tomar conhecimento do possível suicídio coletivo dos índios Guarani- Kaiowá, devido à ordem de reintegração de posse emitida pela Justiça, rapidamente me coloquei favorável ao povo indígena, inclusive aderindo ao movimento no facebook “Todos nós somos Guarani-Kaiowá”. Imediatamente comecei a coletar dados sobre o assunto, e elaborar pequenos textos para divulgar nesta rede social.
Tudo ia bem, até eu publicar um texto que relacionava pecuária com o desmatamento e grilagem de terras na Amazônia. Foi o suficiente. Fui acusado de estar “distorcendo” a argumentação pró-indígena, e replicado: “Índio também come carne”. Sim, índio come carne, mas isto só torna meu argumento mais grave, no lugar de embotá-lo. Ora, não preciso aqui relembrar a todos os livros ou pesquisas em que esta relação é inegavelmente demonstrada: a pecuária, a nossa demanda por carne e produtos de origem animal, tem causado o maior desmatamento e grilagem de terras da história do planeta. Pecuaristas e fazendeiros disputam as terras indígenas.
Qual o real motivo, então, para uma recepção tão ruim dos outros ativistas em favor dos índios? A força do hábito. Admitir que o consumo de carne interfere diretamente na opressão exercida sobre os índios, no mínimo obrigaria os não hipócritas a se tornarem vegetarianos. Quantos deles aceitariam esse desafio? Poucos. A maioria das pessoas que defende uma causa acaba por se fechar em seu âmbito, não sendo capaz – ou não querendo – fazer as conexões existentes entre uma forma de opressão e outras.
Não espere, por tanto, que anti-sexistas e anti-homofóbicos necessariamente façam as conexões e sejam também, anti- especistas e não-racistas. E, mesmo que todas as pessoas que lutam pela igualdade humana defendessem apenas a igualdade como uma só frente; dificilmente incluiriam os animais em seu escopo. Continuariam sendo especistas. Continuariam a oprimir os animais, a maioria indiretamente em seu papel de consumidoras, da mesma forma como lutam pelo fim da opressão humana.
O ponto em que quero chegar é: o anti-especista, aquele que se tornou vegetariano por defender a libertação animal, deve ter maior clareza pelos fatos e deve sim ser à favor do fim de qualquer forma de opressão e exploração: humana e não humana. Não faz sentido gostar mais de bicho do que de gente. Preferir aos animais em detrimento dos humanos também é especista. Se o ponto do assunto é a igual consideração de interesses, então devemos, como anti-especistas, sermos também anti- sexistas, anti-homofóbicos e anti-racistas. “Anti” qualquer forma de exploração, animal ou humana.
E não ligue. Não ligue se os outros grupos “libertários” padecerem de sectarismo: garanta que você não sofra desse mal. Só há uma maneira de lutar pela liberdade: e é lutando pela liberdade de todos que possam ter interesse nela. Humanos e não humanos.
Diego Gatto, 25 anos, é bacharel em filosofia pela PUC-Campinas.
fonte: anda

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