terça-feira, 1 de julho de 2014

Autonomia indígena: município mexicano ganha na justiça direito de se autogovernar


Cherán não é uma comunidade comum no México. Formado em sua maioria por indígenas de etnia purépecha, localizado no Estado de Michoacán, o município se organizou em abril de 2011 para se defender de grupos de "talamontes" – dedicados ao corte clandestino de árvores e ligados a cartéis de drogas. A ação foi urgente, pois os bosques originários da região estavam sendo completamente destruídos.
Eneas/Wikicommons

Jovens de Cherán vigiam as ruas com os rostos cobertos para evitar represálias dos "talamontes" e do crime organizado

Com reuniões tradicionais na rua ao redor das fogueiras, forma de organização típica dos purépecha, os habitantes de Cherán conseguiram reorganizar a Ronda Comunitária e expulsar não apenas os criminosos, mas também eliminar tanto o presidente municipal como os partidos políticos, instituindo um Conselho Maior.
O órgão é formado por 12 pessoas eleitas nos quatro bairros do povo, onde vivem cerca de 11 mil pessoas. Nem o Congresso local, nem o governo do Estado, quiseram reconhecer a autoridade indígena de Cherán, a qual até pouco tempo consideravam “rebelde”.

No entanto, em 26 de maio, por meio de uma resolução histórica, a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) reconheceu a autoridade da comunidade indígena de Cherán para eleger suas autoridades seguindo seus usos e costumes, como garantido pelo artigo 2 da Constituição mexicana.

“Acredito que os povos e comunidades indígenas podem se organizar de diferentes formas, uma delas sendo os municípios indígenas”, disse, durante a discussão, o ministro Arturo Zaldívar, um dos 9 – de 11 – que votaram a favor da decisão.
Leia mais: Terra sem lei, município mexicano pega em armas para expulsar "Cavaleiros Templários" 

Em Cherán, o Conselho Maior funciona como a máxima autoridade indígena do município, onde a figura do presidente municipal já não garantia a correta gestão do poder. As rondas tradicionais sempre tinham sido parte da gestão da segurança nas comunidades Purépecha e, em Cherán, se transformaram em uma força de polícia que substituiu a polícia municipal, acusada pelos habitantes de corrupção e conluio com os grupos criminosos da região.


O exemplo de auto-organização é tão bem sucedido que inspirou todos os grupos de autodefesas e de polícias comunitárias que surgiram no Estado de Michoacán a partir de fevereiro de 2013.
Leia mais: Michoacán: autodefesas surgem em contexto de paramilitarização do México 

Vitória parcial

Junto à luta armada, os moradores de Cherán fizeram um esforço legal para ver reconhecido seu direito à autodeterminação e ao autogoverno a partir de seus usos e costumes indígenas. Porém, de acordo com o advogado David Romer, membro do Conselho de Honra e Justiça de Cherán, o órgão comunitário que se encarrega da administração da justiça e é responsável pela Ronda Comunitária, ainda não é o momento para festejar.
“Não existe ainda uma postura do Conselho Maior a respeito”, explicou David em entrevista a Opera Mundi. “Mas é possível destacar alguns pontos-chave”, continuou. Um deles, segundo o membro da instituição indígena, é que finalmente “a SCJN reconhece o governo de Cherán como diferente, regido por nossos usos e costumes e no mesmo nível de qualquer outro governo municipal do México.”

Em 2012, o Congresso de Michoacán aprovou uma reforma constitucional do Estado que afetava as comunidades indígenas sem consultar seus representantes. Os deputados locais tinham argumentado a inexistência de uma autoridade formal na localidade para fazer uma consulta popular, não reconhecendo o Conselho Maior como autoridade legítima. Agora, o plenário da SCJN declarou inválidas essas reformas, impugnadas pelo município de Cherán.

A decisão da Suprema Corte reconhece que o município indígena de Cherán tem legitimidade para impugnar a reforma na Constituição estatal em matéria de povos indígenas promulgada em 2012.  No entanto, a reforma feita na lei do Estado de Michoacán será invalidada apenas no caso de Cherán, mas não acontecerá o mesmo com os outrosmunicípios afetados, uma vez que só Cherán se pronunciou a tempo sobre a controvérsia constitucional frente à SCJN.
Eneas/Wikicommons

As fogueiras são elementos centrais da organização popular de Cherán. Ao redor delas são decididos importantes questões locais

“Isso quer dizer que não é automático que o que foi decidido a nosso favor vai representar um precedente para todas as comunidades indígenas do país”, destacou Romero. E, além disso, afirmou, “agora, o poder legislativo de Michoacán terá de ditar os prazos e a agenda para cumprir a determinação da SCJN, o que pode ser levar um tempo indefinido."

Trata-se de uma vitória parcial para os povos indígenas do México que anseiam por uma autonomia que garanta e reconheça seu direito e sua organização tão válida como a do Estado mexicano.

Em sua autonomia, o Conselho Maior de Cherán se negou a implementar o Mando Único de Polícia [Comando Único Policial, em tradução livre] em Michoacán, um projeto promovido pelo comissário federal, Alfredo Castillo, por causa da violência dos últimos meses em Michoacán.

O município de Cherán se negou a substituir a Ronda Comunitária por uma polícia estatal. A segurança de seu município ficará nas mãos de sua própria polícia, porque o Conselho Indígena não aceita que estranhos entrem em sua comunidade para controlar sua segurança, que é um dos temas centrais das autoridades purépecha: “É uma questão de prioridades”, ressaltou Romero. “Os atores criminais em Michoacán estão se reposicionando e é fundamental manter a atenção alta na questão da segurança”.
fonte:operamundi

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